O OTT (Over The Top), ou melhor explicando, trafegar uma aplicação “sobre o topo” da internet pública deve
fazer os engenheiros de plantão relembrarem as 7 camadas OSI (Open Systems
Interconnection). É sabido que os OTTs têm uma abrangência enorme, desde APPs (aplicativos) de pedidos
de comida, até guias de direção e trânsito, onde estes são todos considerados
OTTs, uma vez que trafegam sobre “qualquer” rede aberta de internet.
Em nosso caso específico, vamos
explorar um pouco mais os OTTs de conteúdos audiovisuais em geral, sejam eles lineares (coloquialmente chamados de
“ao vivo”) como também Sob Demanda,
ou VOD (Video On Demand).
Decerto que a confusão entre acrônimos,
nomes e elos da cadeia é gigante: VOD,
OTT, IPTV, FTTH, DRM, CDN, ABR, APP, SVA, SCM, SeAC, UI/UX, EPG, DTH, D2C, SSO, LGPD, FSA, Streaming,
TV Everywhere, ANATEL, ANCINE, CONDECINE, Produtoras, Programadoras, Operadoras
etc. Ao longo do texto esperamos clarificar os principais itens, descrever um
pouco do panorama atual e até exercitar alguns ensaios de futurologia!
Para tanto não basta a Operadora, que está na ponta da cadeia, contar com plataformas,
recursos, produtos e produções de qualidade, mas também precisa de incentivos
financeiros e tributários, segurança jurídica e a eliminação de “desincentivos”,
a exemplo da recém-aprovada Medida Provisória nº 1018/2020, emenda 1, que
isenta os OTTs do CONDECINE-Título.
A famosa Guerra do Streaming tem
levado os clientes à exaustão de tantos OTTs, que impactam não só no bolso, mas
também na experiência e comodidade. Cada OTT conta com a sua própria interface (UI – User Interface), login e
senha (mesmo alguns tendo o SSO - Single
Sign On). Isso impacta
diretamente na experiência do usuário (UX – User Experience) e na sua paciência - que já anda muito
em baixa em tempos de pandemia e isolamento social.
Uma mitigação para essa exaustão de
OTTs são as parcerias entre grandes players a exemplo da Globo + Disney,
o que não resolve o problema em sua totalidade porque as Interfaces de Usuário
continuam sendo diferentes, porém ao menos ameniza um pouco os custos totais
para o cliente final.
Consumo e pirataria em um país continental
O OTT é uma nova forma de consumo,
mas em um país continental como o nosso não necessariamente será um substituto
integral, a curto e médio prazo, das tecnologias e meios tradicionais, tanto
que as grandes operadoras de DTH
(Direct To Home), Cabo e IPTV a exemplo da Claro, SKY, Vivo e Oi continuam
tendo as maiores bases de clientes pagantes e ainda vemos novas operações de
DTH sendo lançadas recentemente como a BluTV.
Ainda há uma certa confusão entre as modalidades
OTT e IPTV, que tecnicamente são “quase similares” por usar o IP, com a grande
diferença que o IPTV trafega em uma rede fechada e gerenciada pela Operadora, enquanto o OTT, como
mencionado anteriormente, trafega em “qualquer” rede aberta de internet,
logicamente contando com recursos de segurança (proteção do conteúdo via DRM
– Digital Rights Management) e mecanismos para contornar os efeitos das
variações e instabilidades existentes na internet pública à exemplo da
tecnologia ABR - Adaptive Bit Rate.
Outro tema de entendimento errôneo é
a associação que se faz na linguagem popular - e até em algumas publicações -
entre o IPTV e a Pirataria. Nada tem a ver uma coisa com a outra, inclusive, a Pirataria
de conteúdos via internet não utiliza a tecnologia IPTV, mas sim o OTT. A Pirataria
é um fato altamente preocupante e usurpador de receitas, empregos e até financiadora
de outras contravenções sérias. Além da Pirataria via internet, também existem
outras modalidades via DTH e Cabo.
Segundo estudo contratado pela ABTA
(Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) e realizado pela Mobile
Time/Opinion Box em março deste ano, cerca de 33 milhões de brasileiros
(internautas) acessam conteúdos de TV paga Pirata, com um impacto financeiro de
R$ 15,5 bilhões ao ano em toda a cadeia, sendo R$ 2 bilhões só em impostos.
Antigos players do mercado não
querem ficar de fora desta nova onda do OTT e lançam novos produtos, como a
DirectvGO, com promoções agressivas por exemplo, de 2 anos de cortesia de HBO
Max! A “Guerra do Streaming”, ao menos, traz algumas vantagens para o consumidor. Usuário este que passa a ter a vantagem
(alguns podem achar desvantagem) de ter propagandas direcionadas (Targeted
Advertising) ao que realmente têm interesse, uma vez que as informações de
consumo e desejos são disponibilizadas à Operadora (com autorização prévia do
usuário, conforme regras da LGPD – Lei
Geral de Proteção de Dados).
Pelo lado da Operadora, ainda existe
a polêmica sobre o percentual da fatura ao cliente final que deve ser
considerada SCM (Serviço de Comunicação
Multimidia) pelos serviços de Telecomunicações, sujeito a ICMS, e, qual
parte como SVA (Serviço de Valor Adicionado).
Após o embate Claro vs. FOX, iniciado
em Dezembro de 2018, especificamente para os serviços de OTT de canais lineares,
a decisão da ANATEL de Setembro de 2020 deliberou por considerar OTTs de canais
lineares como SVA e, consequentemente, não sujeita a lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado),
o que trouxe um pouco mais de segurança jurídica para as Operadoras que
utilizam ou desejam utilizar esta modalidade.
A ABOTTs (Associação Brasileira de OTTs), manifestou-se formalmente como
parte interessada no processo junto a ANATEL, com o apoio de outras associações
e entidades, logicamente posicionando-se a favor do OTT de canais lineares ser
considerado como SVA e não como SeAC.
Por outro lado, Produtoras aguardam ansiosamente pelos
editais e investimentos do FSA (Fundo
Setorial do Audiovisual), contando com a ANCINE (Agência Nacional de Cinema), que tem como principal fonte
de receita o imposto chamado CONDECINE
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Nacional)
que se subdivide em CONDECINE-Título, CONDECINE-Remessa e CONDECINE-Serviços.
Conteúdo é Rei!?
Falando em produção de conteúdo, vivenciamos
enormes movimentos de players que não querem ficar de fora do jogo, a
exemplo da recém-aquisição da MGM pela Amazon por nada menos que US$ 13,7
bilhões, apostando no mantra “Conteúdo é Rei”. Sem contar com a projeção de
investimentos em conteúdos próprios para 2021 da Netflix na ordem de US$ 17
bilhões!
Tecnicamente falando, o OTT ainda traz
alguns desafios em sua capacidade de distribuição para todo o território nacional.
Para conexões de alta velocidade e disponibilidade, principalmente aquelas via
fibra ótica - FTTH (Fiber To The Home)
há condições propícias de distribuição, porém as tecnologias mais antigas podem
trazer algumas dificuldades que devem ser minimizadas com a construção de CDNs locais (Content Delivery Networks),
assim como a evolução de tecnologias de processamento de vídeo com vários
perfis e taxas (ABR – Adaptive Bit
Rate), garantindo o fluxo contínuo dos conteúdos mesmo que com taxas
mais baixas quando há variações e/ou instabilidades na internet que trafegam
estes conteúdos.
A modo de Conclusão
O mercado de TV e Entretenimento está
em fase de mudança, as apostas são bilionárias para grandes players, mas
também abrem portas para pequenas e médias Produtoras, Programadoras e Operadoras
que não tinham condições de distribuir, exibir e promover seus conteúdos nos moldes
tradicionais. Os conteúdos regionais e/ou nichados têm agora oportunidade de
chegar ao consumidor final com investimentos muito mais acessíveis para as
Produtoras e Programadoras. As tecnologias avançam cada vez mais rápido a fim
de minimizar as barreiras de distribuição dos conteúdos Lineares e Sob Demanda
em todo o país e mundo.
A Pirataria de conteúdos é um tema
extremamente preocupante e deve ser combatido de forma radical e corajosa, pois
subtrai impostos, recursos e empregos. As aquisições e fusões de grandes grupos
(e pequenos players também) são uma tendência mundial, preferencialmente
unindo Produção e Programação com a Distribuição (Operadoras), lembrando que o Projeto
de Lei 3.832 que altera a Lei do SeAC (12.485) está em tramitação e tende a
eliminar a restrição à Propriedade Cruzada.
O Consumidor já se acostumou com a
nova modalidade de assistir onde, quando e como quiser (TV Everywhere). A Operadora que
não aderir a esta tendência estará fora do mercado em alguns anos. O D2C (Direct to Consumer), onde a
Programadora distribui seus conteúdos diretamente para o Consumidor Final,
obrigará as Operadoras a rever seus modelos de negócio e prover um serviço de
excelência para manter seus Clientes. A integração com outras funcionalidades
digitais que o OTT/IPTV possibilita (Social TV, e-Commerce, e-Games
etc) será um diferencial frente à TV Tradicional e um grande atrativo,
principalmente, para o público mais jovem.